terça-feira, 19 de novembro de 2013

Divagações de uma praça


Oi.
Eu sou a praça.
Isso mesmo que você leu: a praça.
Sou a praça que fica bem em frente à casa da dona deste blog.
Preciso desabafar porque estou com medo e dizem que quando temos medo faz bem falar sobre ele.
Do que eu tenho medo?
Tenho medo da sombra, do escuro que começa a me tomar e não é de nenhuma nuvem. Nuvem escura, nós, as praças, gostamos muito. Chuva que nos nutre. Mesmo as tempestades com suas nuvens muito escuras, ventos que por vezes arrancam uma de nossas árvores, também não temos medo. Sabemos dos ciclos.
Essa sombra a que me refiro, é de concreto.
Ergue-se num ritmo assombroso uma enorme construção.

Ouvi dois senhores, que sempre se encontram aqui na sombra que as copas fazem para conversar, dizerem que será um imenso edifício.
Antes, o vento soprava, assoviando livre antecedendo o sol que nasceria em poucos minutos. Acordava os galhos das árvores, a passarinhada, as formigas, lagartas, assanhava as minhocas.
Ele chega agora ressabiado; remexe somente as folhas mais altas e já não brinca com os dente-de-leão tão rasteiros. Vai embora apressado. Comentou lá num ninho alto que tem medo dos homens de vermelho que trabalham quase encostados aqui em mim.

Talvez seja somente um receio passageiro. Já me disseram que quando estiver erguida a torre gigante, as árvores daqui roçarão janelas e poderão ver bebês sorrindo em seus bercinhos ou pessoas sorrindo ao tomarem um café juntas e logo o vento voltará como antes.

Estou me esforçando para pensar desta maneira, porém não é nada fácil para uma praça que tinha uma amplidão para enxergar.

Outro dia, era um domingo, veio uma moça sentar-se aqui para ler seu jornal. Fiquei tão feliz pois teria companhia por um bocado de tempo. Mas a moça leu o jornal muito rápido e me confessou: jornal de domingo, só no primeiro caderno tem 12 páginas com publicidade de empreendimentos imobiliários.
Fiquei a imaginar que deve haver outras praças na mesma situação que eu.

Também fiquei com vontade de conhecer um país, do qual não me lembro o nome. É que um casal conversava aqui enquanto observava a construção e contava que neste país, onde as pessoas têm olhos que se parecem luas minguantes, tão lindos, tão delicados, tem um tal de feng shui, que não sei se é uma pessoa, uma lei, um jeito de pensar e construir ( o barulho da obra me atrapalhou de ouvir ) e esse feng shui jamais permitiria que se construísse um prédio encostado numa praça. Explicaram que seria harmônico que o prédio ficasse no meio do terreno e assim ele, o prédio, poderia admirar a praça e a praça, no caso eu, poderia também contemplar o edifício.
A moça também falou algo que me amedrontou ainda mais: "Capaz das pessoas abrirem as janelas e quebrarem os galhos com as próprias mãos".
O moço já acha que não haverá janelas para o meu lado. Só uma fria e imensa parede. E completou dizendo que são os negócios gananciosos que fazem isto.

O jeito é esperar. E uma das minhas maiores virtudes é a paciência.
Pacientemente suporto períodos de seca, aguardo a floração, o ovo ser quebrado dentro do ninho e depois o bichinho criar penas.

Bem, obrigada por me ouvir.
Um sopro.
Assinado: a praça





5 comentários:

  1. Que boa ação dar voz a uma praça que disse o que muitas sussurram.

    Que bom seria se as praças, árvores, lagos, fontes, praias tivessem voz.

    Que as pessoas escutem, enxerguem, sintam além do concreto.

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  2. Entendi perfeitamente o grito da praça e creio que se elas pudessem ser ouvidas, teríamos um barulhão, com as recçamações justas que elas fariam! Lindo texto, pena essa realidade! beijos,chica

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  3. Ah! Que peninha da praça...
    Que bom que você conseguiu colocar em palavras os sentimentos desta pobre praça e que pena que a ambição dos homens lhes tira por completo a sensibilidade e a noção de equilíbrio e harmonia da vida...
    Me solidarizo com a praça...
    Bjs
    Vania

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  4. Dona Praça, isso é muito triste. Mesmo porque não estão respeitando a parte harmônica entre natureza e construção. Depois, quando vierem aqueles ventos de 300 Km/h acompanhados de forte tempestade vão dizer que é sinal dos tempos. É nada. Como diz nossa amigo Caetano, é a força da grana mesmo.
    Um ventinho gostoso para a Dna. Praça,
    Manoel

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  5. Oiii Ana, Pobre praça, pobre de nós, pobre dos nossos filhos, brinquei muito na pracinha perto de casa, tbém engolida pelas paredes de concreto, mundo em evolução, natureza em degradação, essa conta não vai fechar lá na frente! Bjinhosss

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